A utilização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fins particulares representa a prática de crimes diversos, a depender do papel de cada envolvido no desvio de função. As informações obtidas pela investigação da Polícia Federal sobre a "Abin Paralela" podem ainda vincular o grupo a outros crimes investigados, como os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e esquema de rachadinha. A análise é de juritas ouvidos pelo DIA.
O professor de Direito Constitucional da Uerj, Wallace Corbo, considera que a comprovação do uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o Governo Bolsonaro para monitorar adversários políticos seria "extremamente grave". "A Abin, no regime democrático, existe para subsidiar o presidente da República em assuntos de interesse nacional, que dizem respeito à soberania nacional, à defesa do Estado Democrático de Direito, à dignidade humana", explica.
Utilizar a agência para atender interesse particular, familiar ou de um grupo político representa um desvio de finalidade incompatível com o estado democrático e viola direitos. "A qualificação do crime vai depender do que foi praticado pelos agentes. Podemos ter desde um crime de prevaricação, a corrupção ativa, corrupção passiva", completa o professor de Direito Constitucional da Uerj.
Para a jurista Jacqueline Valles, caso a investigação da Polícia Federal comprove a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) no esquema de espionagem ilegal na Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o filho do ex-presidente pode responder por três crimes cujas penas máximas, somadas, chegam a 16 anos de prisão.
"Podemos falar, inicialmente, em crimes de organização criminosa (pena de 3 a 8 anos); invasão de dispositivo informático (pena de 1 a 4 anos) e de interceptação de comunicações telefônicas (2 a 4 anos). Caso seja condenado, Carlos pode ter de responder aos crimes em regime fechado", comenta a sócia do escritório Valles Sociedade de Advogados.
Já aqueles que foram monitorados, tiveram seus direitos violados, completa o professor da Uerj. "Não poderiam de nenhuma forma ter violado o sigilo de dados. A constituição prevê sigilo de dados telefônicos, que podem ser quebrados judicialmente. O crime corresponde à interceptação telefônica", diz Wallace Corbo.
No caso do vereador do Rio, Carlos Bolsonaro, também ter participado da prática, ele fica sujeito ao crime de invasão de dispositivo informático de uso alheio, além de crime em quadrilha a depender da responsabilização de cada envolvido no uso da "Abin paralela", completa o professor da Uerj.
A PF apura se um grupo usava o software FirstMile, da Abin, para espionar autoridades, inclusive ministros do Supremo Tribunal Federal. "No caso de invasão de dispositivo informático, a pena pode ser aumentada de um terço à metade porque o crime teria sido praticado contra ministro do STF", ressalta a advogada criminalista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.
A jurista explica que o material apreendido pelos agentes da Polícia Federal poderá subsidiar as investigações sobre a espionagem na Abin e outros inquéritos, como o das Milícias Digitais e o das Rachadinhas, no Rio de Janeiro. "A Polícia Federal pode compartilhar supostas evidências apreendidas nesta operação com outras autoridades que investigam Carlos ou pessoas ligadas a ele em inquéritos já instaurados ou, ainda, podem municiar a PF na abertura de novas investigações", completa Jacqueline.
O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro foi alvo na manhã desta segunda-feira de uma operação que investiga o monitoramento ilegal de autoridades por parte da Abin durante a gestão do ex-diretor-geral Alexandre Ramagem (PL). O DIA procurou o vereador do Rio, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.