O sentimento é de alívio ao pisar em solo brasileiro após 14 horas de viagem deixando para trás a insegurança de uma zona de guerra. Esse é o relato geral dos brasileiros que desembarcaram nesta quarta-feira (11) na Base Aérea de Brasília, vindos de Tel Aviv, Israel, em voo da Força Aérea Brasileira (FAB).
Wanderlúcia Rosário Carneiro, de 59 anos, abraçou longamente as filhas que a aguardavam ansiosas no saguão do aeroporto. Emocionada, ela contou que, inicialmente, foram informados que a situação seria passageira, mas que ficou mais sério do que os próprios israelenses imaginavam. “A notícia nos pegou no meio da estrada”, disse ela, que estava em um grupo de fiéis em visitação à região.
A orientação das autoridades israelense foi para que as pessoas ficassem dentro das casas e hotéis, para evitar exposição. Sobre os dias trancados no hotel em Jerusalém, Wanderlúcia falou da tensão de correr para o bunker (abrigo construído para proteger pessoas em situações de guerra) a cada toque de sirene. “Precisamos ir para o bunker duas vezes. É uma sensação de muita insegurança e não víamos a hora de regressar”, explicou.
Entre os 211 passageiros que chegaram hoje está a produtora de vídeo Darleide Alves. Ela contou sobre a falta de identificação com o toque das sirenes e como isso já é comum para os israelenses. No apartamento em que ela estava, havia um bunker, que serviu de refúgio.
“De sexta para sábado, por causa do fuso horário, eu não consegui dormir. Então, nas primeiras horas, eu estava na janela olhando pra rua vendo o sol nascer, quando a primeira sirene tocou e vi a correria na rua. Ali, diante da minha janela, tinha uma sinagoga e eu vi todos saindo de dentro e correndo para se esconder num lugar mais próximo. Naquele momento, confesso que eu não entendia do que se tratava. Eu não esperava que fosse alguma coisa assim, que o significado daquela sirene fosse o aviso de que tinha mísseis em direção a Jerusalém, o ataque sobre Israel”, disse.
Ela estava em Jerusalém para a gravação de um documentário e tentou sair do país em voos para a Europa, sem sucesso. “Depois recebemos uma ligação de confirmação de que nós estaríamos nesse primeiro voo da FAB e aqui chegamos felizes, agradecidos, mas com o coração também que fica em Israel com as milhares de outras pessoas que não conseguem sair dali”, disse. “Nós temos os israelenses e os palestinos e as pessoas no meio de conflito. A gente se alegra por sobrevivência, mas a gente se entristece por aqueles que não tem o que fazer para mudar de realidade”, acrescentou.
Gratidão
Valdir Alves Reis, de Ipatinga (MG), estava em um grupo de 62 pessoas e passou um dia inteiro viajando em meio aos ataques até chegar a Jerusalém. “Foi assustador, foi pânico. Estávamos em uma região que poderia ser a próxima a ser atacada e foi muito tenso”, disse. “Mas desde quando recebemos a notícia da FAB, tivemos um alívio no coração. O que eu quero reforçar aqui não é a guerra, é uma benção do senhor na nossa nação e a forma que fomos resgatados pela FAB”, acrescentou.
Ele vai todos os anos para Israel, onde mora sua filha e já esteve em uma situação de conflito. “Foi mais simples, conseguimos sair pela Jordânia. Não foi a primeira vez, mas espero que seja a última”, disse.
A educadora Eliane Mota, de 56 anos, liderava um grupo de 11 pessoas, a maioria idosos, que visitava locais religiosos na região. “Meu maior desejo era tirá-los de lá”, disse, contando que estiveram em uma situação crítica durante o segundo bombardeio do Hamas, quando estavam em um bairro sem locais de proteção. “Tínhamos que nos jogar no chão e ir para as paredes. Foi apavorante”, relatou.
A gratidão pelo trabalho do governo federal e da Força Aérea Brasileira (FAB) também foi constante nos relatos dos brasileiros repatriados. “A FAB tem que continuar, tem mais brasileiros lá, mais de 2 mil brasileiros pedindo para sair de Israel”, disse Eliane.
O escritor Fabricio Ramon Lopes disse que passou por cinco ataques em Jerusalém e parabenizou a FAB. “Saímos de Tel Aviv debaixo de mísseis, chegamos aqui com aplausos. A nossa esperança é de chegar aqui, olhar para o céu e não ter medo que cairão mais bombas. Que Deus abençoe Israel, mas primeiro que Deus abençoe nossa nação.”
A brasileira Cristina Balbi falou sobre a tensão que seu grupo viveu e pediu orações pela população da região. “Foram vários sustos, mas o primeiro foi ouvir o Domo de Ferro [sistema de defesa de Israel que intercepta mísseis] explodir há poucos quilômetros da onde a gente estava. A sirene soou e a gente não conseguiu, rapidamente, chegar no hotel de volta. Um pouco mais tarde, nós olhamos para cima e, com o céu claro, os mísseis foram abatidos sobre a nossa cabeça e tivemos que correr novamente.”
“Na hora que nós saímos de Tel Aviv, a minha irmã viu, quando nós levantamos voo, os bombardeios ainda lá embaixo. Então você imagina, nós saindo de lá. E aquele povo que ali ficou? Então, orem pela paz, orem muito porque é um povo muito sofrido”, acrescentou Cristina.
O produtor de vídeo Gleike Max, de 40 anos, disse que se surpreendeu com a agilidade do governo brasileiro e da FAB na repatriação dos brasileiros. “Se não fosse isso a gente não tinha uma outra solução. Ficamos extremamente aliviados e muito felizes”, disse. “A satisfação é tremenda e feliz porque eu acredito que Deus operou em larga escala, mas feliz também porque homens, do governo, da FAB, o mistério, todo mundo também cooperou para que os brasileiros estivessem de volta em paz e segurança. O voo foi perfeito, a equipe ali sensacional, não tem como descrever. Dá orgulho de ser brasileiro”, afirmou.
Voltando em paz
O comandante do voo, Marcos Olivieri, contou sua satisfação em fazer parte do primeiro voo de repatriação. “A gente já estava feliz por poder fazer parte disso, vamos continuar fazendo até quando for necessário, mas a recompensa que a gente tem é a felicidade latente no rosto, no sorriso de cada passageiro que a gente trouxe.”
Ele destacou que o tempo de reação foi bastante curto, após o início do conflito, mas que o governo conseguiu fazer todo o planejamento minucioso para poder entrar em uma zona de guerra. “O voo, tanto de ida quanto de volta, correu sem intercorrência, apesar da gente ter ouvido algumas explosões quando a gente estava no solo lá em Tel Aviv, ao redor do aeroporto. A gente ficou um pouco receoso, mas tudo correu bem sem intercorrências.”
A logística começou a ser organizada já no último sábado (7) pelo governo federal, assim que teve início o conflito. Olivieri e a tripulação farão uma pausa para o descanso e, no fim do dia, voltam para Israel, para mais um voo de resgate de brasileiros.
No total, serão cinco voos até domingo (15) na chamada Operação Voltando em Paz, coordenada pelos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores. Neste primeiro momento, a estimativa é retirar 900 brasileiros que estão em Israel e na Palestina.
O Itamaraty já colheu os dados de pelo menos 2,7 mil brasileiros interessados em deixar a região e voltar ao Brasil. A maioria é turistas que estavam hospedados em Tel Aviv e Jerusalém quando, no último sábado (7), o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, deflagrou um ataque contra o território israelense. Seguiu-se, então, forte reação militar de Israel, que passou a bombardear a Faixa de Gaza.
Neste primeiro momento, o Itamaraty priorizou o traslado de cidadãos que residem no Brasil e visitavam a região do conflito sem ter passagem de volta. Uma segunda etapa da operação está sendo planejada, após a conclusão desses primeiros cinco voos. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, em torno de 14 mil brasileiros vivem em Israel e 6 mil na Palestina.
Orientações
A Embaixada do Brasil em Tel Aviv está recebendo, por meio de formulário em seu site, a inscrição de interessados em repatriação.
Os plantões consulares da embaixada em Tel Aviv (+972 (54) 803 5858) e do Escritório de Representação em Ramala (+972 (59) 205 5510), com whatsapp, permanecem em funcionamento para atender pessoas em situação de emergência. O plantão consular geral do Itamaraty, em Brasília, também pode ser contatado pelo telefone +55 (61) 98260-0610.
O Escritório de Representação em Ramala, na Cisjordânia, segue em contato com os cerca de 50 brasileiros que vivem na Faixa de Gaza e prepara a retirada daqueles que desejam deixar a região, em coordenação com a Embaixada do Brasil no Cairo, no Egito, país fronteiriço. A FAB está estudando os aeroportos no Norte e Nordeste egípcio para realizar a operação de resgate.
O Itamaraty reforça a orientação de que todos os brasileiros que estão na região e que tenham passagens aéreas, ou condições de adquiri-las, embarquem em voos comerciais a partir do Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, que continua a operar, ainda que com restrições.
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