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Dia do nordestino: Além do 'oxente', do 'eita' do “marminino”, o nordeste é luta, cultura e tradição

Orgulho de ser nordestino, povo guerreiro e desbravador, Parabéns!

08/10/2023 às 13h58 Atualizada em 08/10/2023 às 14h00
Por: Redação
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Reprodução/Internet
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O fato de hoje, dia 8 de outubro, comemorar-se o dia do nordestino, já diz muito da força que o regionalismo nordestino, que o discurso da identidade nordestina adquiriu, ao longo do século XX.

No entanto, mais significativo ainda é que a instituição dessa data não se deu em nenhum estado da região, ou mesmo através do Congresso Nacional, mas se deu na cidade de São Paulo, através da lei n. 14.952, de 13 de julho de 2009, por iniciativa do vereador Francisco das Chagas, do Partido dos Trabalhadores, que nasceu na cidade de Riachuelo, no Rio Grande do Norte e que, como muitos nordestinos, migrou e integrou-se a vida da cidade, a ponto de tornar-se um de seus representantes.

A escolha da data visou homenagear o poeta popular cearense Patativa do Assaré, por ser o dia de seu nascimento. O que talvez muita gente não saiba é que existe também um dia estadual dos nordestinos, instituído anteriormente, pela Assembleia Legislativa de São Paulo, através da lei n. 8.441, de 1993, que escolheu o dia de nascimento do cantor pernambucano Luiz Gonzaga, dia 02 de agosto, como sendo a data em que se deveria homenagear a contribuição dos nordestinos para o desenvolvimento e para a cultura daquele estado.

Como se vê foi a iniciativa da cidade de São Paulo que acabou por ser adotada pelos próprios nordestinos, mesmo aqueles que moram na região ou em outros estados do país. O fato de que a mídia está centralizada na capital paulista e que ela dá maior cobertura a data municipal talvez explique, em parte, esse acontecimento.

Mas creio que o próprio fato de que a cidade de São Paulo e sua região metropolitana concentra grande parte dos migrantes nordestinos que, através das redes sociais e dos contatos com seus conterrâneos, vêm divulgando a data de 08 de outubro como sendo a data da comemoração da nordestinidade, favoreceu que ela se fixasse nacionalmente, de maneira ainda informal.

Ter sido São Paulo a instituir o dia do nordestino diz muito sobre o caráter dessa identidade, de sua ambiguidade, de suas contradições internas. Ter sido um nordestino, migrante, vivendo em São Paulo, que tomou essa iniciativa, também diz muito sobre os traços definidores dessa identidade, assim como a iniciativa ter sido aprovada pela Câmara de Vereadores, daquela cidade. Como toda identidade subalterna e degradada, a identidade nordestina precisa do reconhecimento e do aval do outro, do considerado superior, do considerado centro.
 
Podemos dizer que uma das virtudes e uma das forças da identidade nordestina vem, paradoxalmente, de uma de suas debilidades: a identidade nordestina gera solidariedade, gera reconhecimento, gera a formação de comunidades, de redes de proteção e de colaboração, justamente quando os nordestinos, fora de seu lugar de nascimento, fora de sua terra, são confrontados com preconceitos, agressões, desrespeito, humilhação, quando se veem em situações de necessidade e de dificuldade. Por se sentirem menores, por terem internalizado um certo complexo de inferioridade, os nordestinos se aglutinam, reforçam uma identidade defensiva e tendem a se verem como iguais quando estão fora de seu lugar de origem.
 

Faz todo sentido que o dia do nordestino tenha sido instituído em uma das metrópoles onde os nordestinos, das camadas trabalhadoras, se descobriram conterrâneos e nordestinos. Enquanto vivem no Nordeste, as identidades estaduais têm, muitas vezes, mais força que a identidade nordestina, que só é mobilizada em situações de embate e disputas com outras regiões.

Os artistas nascidos nos estados do Nordeste, em inúmeras entrevistas, testemunham que se deram conta do que é ser nordestino, do peso dessa identidade, dos estigmas que ela significa, do poder do imaginário que a sustenta, quando se ausentaram da região e foram viver nas grandes cidades do Sul/Sudeste do país.

E muitos fizeram das matérias e formas de expressão ditas regionais grandes e importantes obras, em todos os campos da arte e da cultura, como uma forma de resposta, de reação, de resistência, a situação de subalternidade e de inferioridade que passaram a experimentar por serem nordestinos. Muitas vezes, enveredam não por questionar esse imaginário que define o que é o Nordeste e o que é ser nordestino, o que é ser sertanejo, mas escolhem reforçar esse imaginário, como uma resposta reativa e não criativa, a experiência de desarraigo, de desterritorialização e de inferiorização que passaram a viver.

A chamada cultura nordestina oferece um rico manancial de imagens, de enunciados, de signos, de temas, de figuras, que são mobilizados, muitas vezes, por uma visão saudosista e idealizada do espaço que se deixou, devido, justamente, ao impacto psicológico e existencial causado pelo preconceito contra suas origens. Não há dúvida que, a instituição do dia do nordestino pela cidade e pelo estado de São Paulo, envolve, ao mesmo tempo, o reconhecimento do papel que os trabalhadores nordestinos tiveram no soerguimento econômico e até arquitetônico desses espaços, mas também a um

sentimento de culpa, uma certa vontade de reparação, pelo tratamento, muitas vezes vexatório, preconceituoso e hostil, que os migrantes nordestinos receberam e recebem naquela cidade e estado. A adoção, de forma acrítica, pelos nordestinos, de uma data não instituída por eles, deixa claro o quanto os nordestinos ainda se orgulham quando são reconhecidos pelos outros, o quanto eles ainda precisam do aval do outro para ter uma imagem positiva acerca de si mesmos. Mostra como São Paulo e sua mídia ainda pautam, em grande medida, a cultura brasileira.

Creio que se há algo a comemorar nesse dia 08 de outubro, não é o fato trágico de que milhões de nordestinos precisaram abandonar suas terras e seus lares tangidos pela miséria, pela fome, pela concentração da propriedade da terra e da água, por condições de trabalho indignas, por relações de poder discricionárias, por códigos morais, raciais e de gênero que tornavam a vida, de muitos, impossível de ser vivida.

Podemos comemorar que esse sentimento de conterraneidade salvou a vida de muitos, pela solidariedade, pela capacidade de gerar laços de afeto, de amizade, de companheirismo, de compartilhamento. O se descobrir e o se saber nordestino gerou sentido de pertencimento, de participação em uma comunidade, em um nós, que evitou o desespero do sentimento de solidão, de isolamento, de desorientação, numa terra estranha e inóspita.
 

A nordestinidade permitiu a construção de redes, de parcerias, a ajuda mútua, o empoderamento coletivo, a luta conjunta por respeito, reconhecimento e direitos. O partilhar de signos, símbolos, narrativas, de um imaginário, salvou muitos do vazio de sentido, da perda de significados, ajudou a construir estratégias de inserção em e pertencimento a uma cultura estranha.

As memórias partilhadas, transformadas em modos de vida, em territórios existenciais, espacializadas nas grandes cidades, como simulacros do Nordeste, como miniaturas da região, evitou a perdição, a loucura, a depressão. A construção de espaços de encontro, de vivências, realimentou subjetivamente muitos que, se não fossem esses espaços, diante do estranhamento absoluto, poderiam ter soçobrado na tristeza, na melancolia, na morte.

Terem podido encontrar essa nordestinidade em seus corpos, em suas vestimentas, em suas malas e trouxas, em seus instrumentos musicais, em suas vozes, em suas peles, em seus adereços e endereços, nas cartas e bilhetes trazidos em caminhões; terem podido saborear o Nordeste em suas comidas, em seus perfumes, senti-lo em seus objetos e teréns, terem podido carregá-lo na alma, no verso, no canto, no conto; terem aprendido fazer Nordeste onde quer que estejam, motivou muitos a continuar vivendo, trabalhando, estudando, fazendo arte e resistindo a condições de vida adversas e cruéis. Que façamos do dia do nordestino um dia de reflexão e não apenas de comemoração.

Fonte: Diário do Nordeste

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