A Amil, operadora de planos de saúde, está no centro de uma controvérsia após cancelar milhares de contratos coletivos por adesão, incluindo aqueles de crianças e jovens com TEA (transtorno do espectro autista), doenças raras e paralisia cerebral. Esse movimento desencadeou uma onda de mobilizações e uma série de ações judiciais. Os contratos afetados estão programados para vencer no dia 31 de maio.
Em um comunicado enviado aos beneficiários no mês passado, a Qualicorp, responsável pela administração da maioria desses contratos, alegou que os mesmos têm gerado prejuízos acumulados à operadora, resultando em reajustes significativos que não foram suficientes para reverter a situação.
A Amil confirmou à Folha de S.Paulo que está, de fato, cancelando uma série de contratos em parceria com administradoras de benefícios, “especificamente os que demonstram desequilíbrio extremo entre receita e despesa há pelo menos três anos”. Contudo, não divulgou o número total de cancelamentos.
Conforme a legislação dos planos de saúde, contratos coletivos por adesão podem ser rescindidos unilateralmente pelas operadoras, desde que sigam determinadas regras, incluindo a notificação sobre o término do contrato com dois meses de antecedência.
No primeiro trimestre deste ano, as reclamações relacionadas a rescisões de contratos coletivos por adesão na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) aumentaram em 99% em comparação com o mesmo período de 2023 e continuam crescendo. Além das crianças, idosos e pessoas em tratamentos de alto custo também têm sido afetados pelos cancelamentos.
A ação da Amil tem gerado uma resposta intensa, com mães mobilizando campanhas nas redes sociais, registrando queixas em órgãos de defesa do consumidor e na ANS, além de buscar assessoria jurídica para ingressar com ações judiciais.
Uma das campanhas destaca crianças como Ana Lis, 7 anos, Heloisa, 9, Micaela, 8, Anna Laura, 6, João Miguel, 7, e Rita, 30, que enfrentam síndromes raras e dependem de medicações de alto custo para sobreviver. Algumas delas necessitam de nutrição parenteral 24 horas por dia e apoio respiratório. Todas já iniciaram ações judiciais.
“O juiz não vai deixar a Amil cancelar o meu plano. Eu vou viver”, expressou João Miguel, do Pernambuco, em suas redes sociais, após obter uma liminar na semana passada. Ele enfrenta a AME (atrofia muscular espinhal) e requer cuidados em casa (home care) e suporte respiratório.
“A gente trabalha muito para pagar esse plano, que é muito caro. Meu filho não pode ficar sem ele”, declara Lucilene Claudino da Silva, mãe de João Miguel. A família desembolsa R$ 3.500 mensais pelo plano e tem recorrido a rifas e campanhas para custear os honorários advocatícios, que chegam a R$ 5.000.
Somente um escritório de advocacia já interpôs, nas últimas semanas, 70 ações judiciais, sendo 53 delas de mães de crianças autistas da Baixada Santista. Pelo menos 15 dessas ações obtiveram liminares favoráveis.
Adriana Campos Duarte de Souza, dona de casa em Praia Grande, mãe de Nathan, 6 anos, é uma das beneficiárias que obteve liminar. Segundo ela, a família contratou o plano da Amil há dois anos exclusivamente para o filho, pagando R$ 366 mensais. “Ele faz terapias diárias, e o cancelamento vai afetar muito a evolução dele”, ressalta.
Dayah Castro, corretora de plano de saúde e mãe de Salomão, 11, também de Praia Grande, encontra-se em situação similar. “É uma revolta total. A gente se sente muito impotente”, desabafa.
Marcelo Lavezo, advogado que representa as crianças autistas, destaca que o cancelamento afeta não só crianças com autismo, mas também aquelas com outras condições, como TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), de diferentes regiões de São Paulo, incluindo uma criança com paralisia cerebral, que depende de home care e recebeu aviso de cancelamento.
Ele salienta que o impacto tem sido mais severo entre as crianças com doenças que demandam tratamentos contínuos, gerando revolta e insegurança nos pais.
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Segundo Lavezo, as decisões têm sido favoráveis aos pacientes, pois desde 2022 o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem entendido que pessoas doentes em tratamento necessário para preservar suas vidas e saúde não podem ter seus planos cancelados.
De acordo com a ANS, a rescisão unilateral de contratos coletivos com beneficiários em tratamento é permitida. Entretanto, se os pacientes estiverem internados, a operadora deverá arcar com todos os custos até a alta hospitalar.
Em comunicado, a Qualicorp esclarece que a decisão de cancelamento não partiu dela, mas sim da Amil, exercendo um direito previsto em contrato e regulamentado pela ANS. Após ser notificada pela Amil, a Qualicorp enviou carta de cancelamento aos clientes, respeitando o prazo de 30 dias de antecedência, conforme contrato e resolução da ANS.
A Amil, em nota, informa que está reestruturando sua oferta de produtos para garantir qualidade da assistência e sustentabilidade dos contratos. Nesse contexto, afirma que a modalidade de planos coletivos por adesão foi revisada, ressaltando que a medida não está relacionada a demandas médicas ou tratamentos específicos, mas sim a uma modalidade de plano que envolve contratos com administradoras de benefícios.
A operadora iniciou a comunicação da mudança às administradoras de benefícios em março e garante que a manutenção das coberturas seguirá os prazos contratuais, assegurando a portabilidade para aqueles que cumprirem os critérios de elegibilidade. A Amil reitera que avalia continuamente seu portfólio para garantir a melhor qualidade de atendimento aos seus 5,6 milhões de beneficiários.
Esses cancelamentos unilaterais de contratos coletivos por adesão têm sido observados em outras operadoras. Luciana Soares Munhoz, manicure de 41 anos de Promissão (SP), teve uma experiência semelhante com a Unimed Nacional em janeiro deste ano. Seus dois filhos autistas, João Lucas, 9, e Gabriel, 4, estão sendo atendidos por meio de liminar após o cancelamento do plano, que estavam há dois anos, desembolsando R$ 1.122,59 mensais.
Mayara Santos, vice-presidente da Associação de Pais, Amigos e Autistas de Promissão e Região (APAA), relata que pelo menos nove famílias foram afetadas no município, algumas buscaram liminares e outras conseguiram mudar de plano. Ela, que é mãe e esposa de autistas, destaca o impacto significativo que a suspensão das coberturas tem na rotina das pessoas autistas e de seus familiares, gerando crise e transtorno.
Em resposta, a Unimed Nacional afirma que cumpre estritamente a legislação e as normas dos planos de saúde, bem como todas as decisões judiciais pertinentes. Destaca ainda que os planos mencionados permanecem ativos e que a concessionária continua fornecendo todo o suporte necessário aos beneficiários.
Com informações diariodocentrodomundo